quarta-feira, 31 de março de 2010


Luísa terminou a tarefa. Rescendia toda ao cheiro áspero e simples do sabão. O trabalho fizera-lhe calor. Olhou a torneira grande, jorrando água límpida. Sentia um calor... Subitamente surgiu-lhe uma déia. Tirou a roupa, abriu a torneira até o fim, e a água gelada correu-lhe pelo corpo, arrancando-lhe um grito de frio. Aquele banho improvisado fazia-a rir de prazer. De sua banheira abrangia uma vista maravilhosa, sob um sol ardente. Um momento ficou séria, imóvel. O romance inacabado, a confissão achada. Ficou absorta, uma ruga na testa e nos cantos dos lábios. A confissão. Mas a água corria gelada sobre seu corpo e reclamava ruidosamente sua atenção. Um calor bom
já circulava em suas veias. De repente, teve com um sorriso, um pensamento. Ele voltaria. Ele voltaria. Olhou em torno de si a manhã perfeita, respirando profundamente e sentindo, quase com orgulho, o coração bater cadenciado e cheio de vida. Um morno raio de sol envolveu-a. Riu. Ele voltaria, porque ela era a mais forte
.

Clarice Lispector

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