sexta-feira, 7 de maio de 2010

Sós, irremediavelmente sós, como um astro perdido que arrefece. Todos passam por nós e ninguém nos conhece. Os que passam e os que ficam. Todos se desconhecem. Os astros nada explicam: Arrefecem. Nesta envolvente solidão compacta, quer se grite ou não se grite, nenhum dar-se de outro se refracta, nenhum ser nós se transmite. Quem sente o meu sentimento sou eu só, e mais ninguém. Quem sofre o meu sofrimento sou eu só, e mais ninguém. Quem estremece este meu estremecimento sou eu só, e mais ninguém. Dão-se os lábios, dão-se os braços Dão-se os olhos, dão-se os dedos, bocetas de mil segredos Dão-se em pasmados compassos; Dão-se as noites, e dão-se os dias, Dão-se aflitivas esmolas, abrem-se e dão-se as corolas breves das carnes macias; Dão-se os nervos, dá-se a vida, Dá-se o sangue gota a gota, como uma braçada rota Dá-se tudo e nada fica. Mas este íntimo secreto que no silêncio concreto, este oferecer-se de dentro num esgotamento completo, este ser-se sem disfarce, virgem de mal e de bem, este dar-se, este entregar-se, descobrir-se, e desflorar-se, é nosso de mais ninguém!

António Gedeão

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