sábado, 3 de dezembro de 2011


Trabalhas sem alegria para um mundo caduco
onde as formas e ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue- frio, a concepção.
A noite, se neblina, abrem guarda- chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerras
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mais o terrível despertar prova a existencia da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifraveis palmeiras.

Caminhas entre os mortos e com eles conversa
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espirito.
A literatura estragou suas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitisímo tempo de semear.

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva,a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes sozinho dinamitar a ilha de Manhattan.

Carlos Drummond de Andrade.

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