quinta-feira, 30 de julho de 2009

Estava de pés frios. Daquele jeito que ela passava horas antes de sair de casa imaginando um jeito de não sentir. Cinema legal era garantido com meias na bolsa, guardadas estrategicamente para evitar os ares gélidos diante da telona. Tudo enquadrado no campo de segurança necessário àquele seu universo, nos meio-termos e meio-tons – e por vezes meias-palavras – que asseguravam conforto e certa segurança no dia após dia. Pensava sempre nessa necessidade de harmonia que traduzia-se inconscientemente nas cores e falas que usava, sempre ton sur ton, como se fossem seu quinhão para dar condições, mesmo que meramente estéticas, para que certa paz se chegasse.
Era curioso notar seu interesse por coisas descoradas, como aquele moço que avistava todos os dias na ida ao trabalho, sentado no batente da casa de meio-portão com pijama cinza e olhos sempre longínquos. Lhe eram fascinantes também as fumaças do cigarro dançando lindamente e esvaindo-se ali, à meia-luz, diante dos seus incrédulos olhos.
Conhecera certa vez uma Laura, Lispector a dizia com maestria, e tamanha era a exatidão dos seus reflexos naquelas linhas, que ela sentia-se a própria criatura contada, escrava daquelas páginas em sequência. Coisa louca se passava naquela sua mente que escolhia figuras pálidas para nelas reconhecer-se. Parecia até meio suspeito pensar assim porque quando saía para dançar, era um embalo que a levava nem lá nem cá, igualzinho àquele equilíbrio que ensaiava no meio-fio da rua, quando menina. Era seu jeito de se proteger do frio, saltando entre calçadas e bancos da praça. Aquecia-se com o próprio suor.
Agora, quando em chamas, do alto do muro do cansaço de suas expressões discretas e maduras, nem se dá o trabalho de reclamar da falta daquele split que garantiria ares mais frescos. O ventilador lhe é extremamente suficiente nas noites de calor, já que na falta dos fins acaba se valendo dos meios. Esses sim, nunca findam.
Laurita Dias.

Nenhum comentário: